Como é que as criptomoedas influenciam a política mundial?

07/10/2025 15:19

Como é que as criptomoedas influenciam a política mundial?

As criptomoedas estão a moldar cada vez mais a política global. De países sancionados que as utilizam para o comércio a governos que as regulam para controlar os mercados, os ativos digitais tornaram-se uma nova ferramenta de poder e influência nas relações internacionais.

As criptomoedas já não são apenas uma tendência financeira ou uma inovação tecnológica – hoje exercem uma influência crescente na política mundial. A sua natureza descentralizada desafia os sistemas financeiros tradicionais, altera as relações internacionais e levanta questões sobre soberania, segurança e liberdade dos cidadãos.

Regulação e regras globais do jogo

O mercado cripto obrigou os governos e as instituições internacionais a redefinirem a sua abordagem ao dinheiro e aos fluxos financeiros.

  • A União Europeia aprovou o regulamento MiCA (Markets in Crypto-Assets), que visa criar um mercado único e regulado para todos os Estados-Membros e oferecer maior segurança jurídica aos investidores.
  • Os Estados Unidos ainda não dispõem de uma lei unificada, mas sim de um conjunto de regras provenientes de diferentes reguladores, como a SEC e a CFTC, o que gera incerteza, mas também espaço para inovação.
  • A China proibiu em 2021 a negociação e a mineração de criptomoedas, mas, em paralelo, desenvolve a sua própria moeda digital do banco central (e-CNY) como resposta ao crescimento global da economia digital.

Estas estratégias distintas demonstram como o cripto se tornou uma questão geopolítica, e não apenas um fenómeno financeiro.

Poder financeiro e competitividade dos Estados

A adoção das criptomoedas pode ser uma poderosa arma política. Os países que criam um ambiente favorável ao blockchain e às startups cripto atraem investimento, novas empresas e mão de obra qualificada. Exemplos disso são a Suíça, Singapura e os Emirados Árabes Unidos, que se posicionam como centros globais da indústria cripto.

Como a Suíça se tornou o centro global do mundo cripto

A Suíça é hoje sinónimo de segurança, confiança e inovação – elementos que também foram fundamentais para o seu sucesso no universo das criptomoedas. Enquanto muitos países ainda debatiam se deviam ou não adotar o cripto, a Suíça reconheceu o seu potencial a tempo.

Em vez de proibir ou restringir as criptomoedas, optou por regulá-las de forma inteligente, estabelecendo regras claras para que investidores e empresas soubessem exatamente o que podiam ou não fazer. Essa segurança regulatória foi decisiva: os empreendedores sentiram-se confiantes para investir e os inovadores tiveram espaço para crescer.

O resultado foi o nascimento do “Crypto Valley”, nome que designa a região em torno da cidade de Zug, perto de Zurique.

Desde o início da década de 2010, as primeiras empresas de blockchain começaram a instalar-se ali, atraídas por:

  • impostos baixos,
  • regulamentos empresariais simples,
  • e uma política governamental favorável às novas tecnologias.

Hoje, Zug é o lar de centenas de projetos de blockchain e cripto, desde startups até empresas de renome mundial. Foi no Crypto Valley que surgiram algumas das iniciativas mais importantes do setor, incluindo a fundação Ethereum, uma das mais influentes da indústria.

Além das vantagens empresariais, a Suíça tem uma forte cultura de privacidade e descentralização – valores muito próximos da filosofia das criptomoedas. Graças a esta combinação de inovação, estabilidade e confiança, o país tornou-se um líder mundial na indústria cripto e um exemplo de como uma política inteligente pode impulsionar o progresso tecnológico.

Por outro lado, os países que adotam uma postura restritiva arriscam perder capital e inovação tecnológica para mercados mais abertos. Assim, o cripto tornou-se um fator determinante da competitividade e influência global a longo prazo.

Cripto e sanções internacionais

Um dos aspetos políticos mais sensíveis das criptomoedas é o seu papel no contorno das sanções internacionais. Como as transações em blockchain não exigem bancos nem intermediários, países e organizações sob sanções recorrem, por vezes, ao cripto para efetuar pagamentos internacionais.

Exemplos como o Irão, a Venezuela e a Rússia mostram que as criptomoedas podem ser utilizadas como instrumento de resistência às restrições financeiras impostas por grandes potências ou instituições como os Estados Unidos e a União Europeia.

Esta realidade levanta novos debates sobre a segurança global e o equilíbrio de poder no cenário internacional.

Venezuela – as criptomoedas como resposta à hiperinflação

A Venezuela é um dos exemplos mais claros de como as criptomoedas podem tornar-se uma ferramenta de sobrevivência num país em crise económica.

Devido à hiperinflação extrema e ao colapso da moeda nacional (o bolívar), os cidadãos começaram a usar:

  • Bitcoin e USDT (Tether) para preservar valor e realizar transações diárias;
  • o mercado P2P da Binance como principal meio de troca e envio de dinheiro do estrangeiro;
  • o governo até tentou lançar a sua própria criptomoeda, o Petro, alegadamente apoiada nas reservas de petróleo, para reduzir a dependência do dólar norte-americano.

Em resumo: na Venezuela, o cripto tornou-se uma tábua de salvação para os cidadãos – uma forma de proteger as suas poupanças e receber dinheiro da diáspora.

Rússia – o cripto como meio de resistência às sanções

Após a invasão da Ucrânia em 2022, o Ocidente impôs sanções financeiras severas à Rússia, atingindo bancos, oligarcas e empresas estatais.

Em resposta, a Rússia:

  • investigou o uso de stablecoins e do rublo digital para o comércio internacional, especialmente com países que não apoiam as sanções;
  • aumentou o interesse pela mineração e pelos pagamentos transfronteiriços baseados em blockchain;
  • permitiu transações experimentais em criptomoedas com países aliados, como o Irão e a China.

Em suma: a Rússia utiliza o cripto como instrumento de resiliência económica e meio para manter o comércio internacional apesar das sanções.

Irão – utilização do cripto para contornar sanções

O Irão enfrenta há anos sanções americanas e europeias que limitam o seu acesso ao sistema financeiro internacional e ao mercado do dólar.

Para aliviar essa pressão, o governo iraniano:

  • legalizou a mineração de Bitcoin em 2019, permitindo o uso das criptomoedas extraídas para importação de bens, evitando assim o sistema SWIFT e os canais bancários internacionais;
  • concedeu licenças a empresas locais de mineração e impôs controlo estatal sobre o consumo energético dessa atividade;
  • segundo relatórios, importadores iranianos utilizam Bitcoin e outras criptomoedas para comprar produtos à China e a outros países, já que as transferências bancárias tradicionais não são possíveis.

Em resumo: o Irão usa o cripto como alternativa aos pagamentos internacionais, especialmente quando as sanções bloqueiam o acesso a dólares e ao sistema bancário global.

Em todos os três casos, as criptomoedas demonstraram ser uma ferramenta de independência económica – seja para evitar sanções, estabilizar moedas ou aceder ao mercado global sem intermediários.

Contudo, esta prática também gera novos debates sobre a segurança internacional, pois o cripto pode ser utilizado por Estados que procuram contornar os controlos financeiros globais.

Transparência e política interna

As criptomoedas e a tecnologia blockchain não influenciam apenas as relações internacionais, mas também a política interna. Muitos políticos e ativistas destacam que o blockchain pode aumentar a transparência das finanças públicas e reduzir o espaço para a corrupção.

Imagine orçamentos estatais ou despesas de campanhas eleitorais registadas num blockchain público.

Essa é uma ideia que surge cada vez mais nos debates sobre o futuro da política e da administração pública.

Por exemplo, cada doação de campanha poderia ser exibida publicamente em tempo real – mostrando quem doou, quanto e quando. Da mesma forma, cada euro gasto do orçamento do Estado poderia ser rastreado desde a sua origem até ao destinatário final.

Isto reduziria significativamente as oportunidades de corrupção e manipulação, dificultaria o uso indevido de fundos públicos e aumentaria a confiança dos cidadãos.

Países como a Estónia e a Suécia já estão a experimentar o uso do blockchain na administração pública, enquanto algumas organizações e ONGs desenvolveram protótipos de sistemas baseados em blockchain para monitorizar as despesas públicas e promover a transparência eleitoral.

No futuro, esta abordagem poderá tornar-se a nova norma nos processos democráticos, onde a tecnologia não serve apenas para inovar nas finanças, mas também para reforçar a confiança entre o Estado e os cidadãos.

Moedas Digitais dos Bancos Centrais (CBDC)

Como resposta ao crescimento das criptomoedas, muitos países estão a desenvolver as suas próprias moedas digitais – as CBDC (Central Bank Digital Currency).

  • A China lidera com o projeto e-CNY.
  • A União Europeia está a estudar o euro digital.
  • Os Estados Unidos analisam a criação do dólar digital, mas com cautela, devido aos riscos para a privacidade e a liberdade dos cidadãos.

As CBDC mostram que os governos procuram manter o controlo sobre o dinheiro e os sistemas financeiros, enquanto acompanham as vantagens e a eficiência demonstradas pelas criptomoedas.

Como as eleições influenciam o mercado cripto

Embora as criptomoedas sejam frequentemente apresentadas como independentes da política e das instituições estatais, tornou-se claro nos últimos anos que os acontecimentos políticos, especialmente as eleições, têm um forte impacto no mercado.

As decisões políticas e as declarações dos candidatos podem provocar mudanças bruscas nos preços, já que os investidores reagem às expectativas sobre futuras regulamentações e à postura dos governos em relação aos ativos digitais.
Quando os políticos anunciam políticas favoráveis ao cripto, o mercado interpreta isso como um sinal de estabilidade e crescimento. Pelo contrário, anúncios de medidas restritivas costumam gerar medo e vendas em massa.

Um exemplo marcante ocorreu durante as eleições presidenciais dos EUA em 2024. Ao longo da campanha, cada vez que os candidatos apresentavam propostas relacionadas com a regulação das criptomoedas, o mercado reagia quase instantaneamente.
Após a vitória de Donald Trump, que adotou uma posição pró-cripto, o preço do Bitcoin subiu rapidamente, ultrapassando os 90.000 dólares, e um mês depois atingiu os 100.000 dólares.

Essas reações demonstram que as criptomoedas se tornaram sensíveis às mensagens políticas, tal como os mercados tradicionais.
Para o investidor comum, isso significa que as notícias políticas podem influenciar o valor do seu portefólio tanto quanto a análise técnica ou as oscilações nas bolsas.

Em suma, a política e o cripto já não são mundos separados – uma simples declaração, proposta de lei ou resultado eleitoral pode alterar a direção do mercado em apenas algumas horas.

Nova era do poder: quando a política se cruza com o cripto

As criptomoedas evoluíram de uma inovação tecnológica para um fenómeno político de dimensão global. Estão a transformar leis, relações internacionais e os próprios fundamentos do sistema financeiro.
Alguns países veem o cripto como uma ameaça ao seu poder, enquanto outros o encaram como uma oportunidade para crescer e reforçar a sua posição global.

Nos próximos anos, a política mundial e as criptomoedas estarão cada vez mais interligadas. Questões como regulação, liberdade financeira e interesses geopolíticos irão moldar uma nova realidade económica e política.