O que é “shilling” no mundo cripto e porque deves ter cuidado?

No universo das criptomoedas, onde a informação circula mais depressa do que nunca, é fácil deparar-te com conselhos, vídeos ou publicações que apresentam determinado projeto como uma “aposta segura”. Se a mensagem for exagerada, repleta de promessas de lucros elevados e promovida por pessoas que impulsionam abertamente um único projeto — há uma grande probabilidade de estares perante um caso de shilling.

Mas afinal, o que é exatamente o shilling e porque é que pode ser tão problemático?

O que significa “shilling”?

No contexto das criptomoedas, shilling refere-se à promoção agressiva de um determinado projeto ou moeda, geralmente escondendo o interesse financeiro pessoal.

O objetivo do shilling é aumentar o interesse e o preço de um token ou coin — muitas vezes sem fundamentos reais — apenas para que os promotores possam lucrar (por exemplo, vendendo os seus ativos quando o preço sobe).

O shilling acontece com mais frequência em:

Redes sociais (Twitter/X, TikTok, Reddit, grupos de Telegram)

Exemplo: Em 2021, o projeto SafeMoon tornou-se um dos casos mais conhecidos de shilling no Twitter e Reddit. Milhares de utilizadores promoveram em massa o SafeMoon com frases como “compra antes de ir para a Lua” (#SafeMoon, #ToTheMoon).

Muitas dessas pessoas não revelaram que já tinham investido no SafeMoon e que estavam interessadas em ver o seu valor aumentar.

Esta promoção em massa criou uma procura artificial e, mais tarde, muitos investidores perderam dinheiro quando o valor do token caiu drasticamente.

Comentários em vídeos no YouTube ou artigos

Exemplo: Durante o auge do BitConnect (2017), quase todos os vídeos relacionados com criptomoedas no YouTube tinham comentários como: “O BitConnect deu-me 300% de lucro em 3 meses! Junta-te antes que seja tarde!”

Mais tarde, confirmou-se que o BitConnect era um esquema Ponzi clássico, e que os comentários tinham sido organizados por uma comunidade que ganhava dinheiro ao recrutar novos utilizadores. Muitos investidores, enganados por esses comentários “autênticos”, acabaram por perder os seus fundos.

Através de influencers pagos que promovem projetos sem revelar a parceria

Exemplo: Um dos casos mais mediáticos envolveu o pugilista Floyd Mayweather e o músico DJ Khaled, que promoveram o ICO do projeto Centra Tech nas suas redes sociais.

Ambos elogiaram publicamente o projeto como sendo revolucionário, sem revelar que tinham sido pagos centenas de milhares de dólares para o fazer. Mais tarde, as autoridades norte-americanas concluíram que o Centra Tech enganou os investidores, e Mayweather e Khaled foram multados por não divulgarem o vínculo comercial com o projeto.

Em 2018, foram sancionados pela SEC, e os três fundadores da Centra Tech foram levados a tribunal por fraude.

Este caso tornou-se um precedente importante relativamente à responsabilidade dos influencers na promoção de projetos cripto.

O escândalo da criptomoeda $LIBRA na Argentina, tornado público a 14 de fevereiro de 2025, demonstrou as graves consequências da promoção irresponsável de projetos cripto por figuras públicas.

O presidente Javier Milei apoiou publicamente o $LIBRA, o que gerou um grande interesse por parte dos cidadãos e uma subida rápida no preço do token — mas apenas por pouco tempo.

Pouco depois, o valor caiu drasticamente, e milhares de investidores registaram perdas significativas. Apesar de Milei afirmar que não tinha ligações com os organizadores do projeto nem obteve lucros com ele, muitos especialistas consideram este um exemplo clássico de shilling.

Estes exemplos mostram claramente o impacto que o shilling pode ter no mercado das criptomoedas.

Com o surgimento constante de novos projetos, o shilling continua a ser uma prática comum — muitas vezes disfarçada de “recomendações sinceras” — o que exige maior atenção e espírito crítico por parte dos investidores.

Porque é que o shilling feito por influencers é especialmente perigoso?

O shilling através de influencers é uma das táticas mais perigosas na indústria das criptomoedas, precisamente devido ao elevado nível de confiança que estas figuras têm junto do seu público.

Quando uma pessoa conhecida promove um determinado projeto cripto, muitos seguidores assumem automaticamente que se trata de um investimento fiável e verificado. No entanto, se o influencer não revelar que foi pago para o promover — ou se nem sequer investigou o projeto que recomenda — os investidores podem tomar decisões erradas, baseadas apenas na sua popularidade e “autoridade”.

Estas recomendações tornam ainda mais difusa a linha entre informação objetiva e publicidade paga, tornando o shilling muito mais difícil de detetar.

Regulação dos influencers no mundo das criptomoedas

Devido a estes riscos, os reguladores de todo o mundo começaram a acompanhar mais de perto as atividades dos influencers que promovem criptomoedas.

Por exemplo, a Securities and Exchange Commission (SEC), dos Estados Unidos, e a Financial Conduct Authority (FCA), do Reino Unido, alertaram que a promoção de produtos financeiros sem a divulgação clara de parcerias pagas pode resultar em multas elevadas.

Alguns países, como França e Austrália, já implementaram regulamentações mais rigorosas que obrigam os influencers a declarar explicitamente quando são pagos para promover qualquer tipo de produto financeiro — incluindo criptomoedas.

Estas mudanças demonstram a importância de pensar de forma crítica sobre as recomendações feitas nas redes sociais e de evitar tomar decisões de investimento apenas com base na popularidade de quem promove um projeto.

Como reconhecer o shilling?

Eis alguns sinais que podem indicar a presença de shilling:

Promessas exageradas:
Frases como “Esta criptomoeda vai subir 100% num mês!” são muitas vezes o primeiro sinal de alerta. Ninguém consegue prever com precisão o comportamento do mercado e promessas irrealistas servem, na maioria dos casos, apenas para atrair investidores inexperientes.

Falta de informações concretas:
Se um projeto não tem whitepaper publicado, dados sobre a equipa de desenvolvimento ou objetivos claramente definidos — e tudo o que apresenta é apenas entusiasmo — é muito provável que se trate de uma tentativa de manipulação do mercado.

Utilização do medo de ficar de fora (FOMO):
Mensagens como “Se não comprares agora, daqui a um mês será tarde demais!” apelam às emoções e criam uma falsa sensação de urgência. Decisões de investimento tomadas sob pressão emocional têm tendência a ser mais arriscadas.

Interesses financeiros ocultos:
Se quem promove o projeto não revela que possui uma grande quantidade dos tokens em questão, existe um risco elevado de estar motivado por interesse pessoal em aumentar o preço e vender os seus ativos com lucro.

Comentários spam ou mensagens copiadas em vários canais:
Se notares comentários iguais ou muito semelhantes a aparecerem repetidamente em vídeos, fóruns ou grupos no Telegram, é muito provável que se trate de uma campanha organizada de shilling — e não de um verdadeiro interesse da comunidade.

Porque é que o shilling é perigoso?

Valorização artificial do preço:
O shilling cria frequentemente um entusiasmo artificial em torno de uma determinada moeda ou token, levando a um aumento de preço não sustentado. Quando o interesse diminui ou os promotores vendem as suas participações, o preço cai abruptamente — e os pequenos investidores acabam por sofrer perdas significativas.

Perda de confiança dos utilizadores:
Especialmente entre os investidores iniciantes, o shilling pode gerar uma falsa sensação de segurança. Muitos acreditam que estão a seguir conselhos fiáveis, e após sofrerem perdas, perdem a confiança não só no projeto, mas em todo o ecossistema das criptomoedas.

Pode estar ligado a esquemas de “pump and dump”:
Nestes casos, os promotores incentivam fortemente a compra de tokens, difundindo expectativas irreais. Quando o preço sobe, vendem os seus ativos com lucro, deixando os restantes investidores com tokens sem valor.

Imagem distorcida do projeto:
O shilling tende a apresentar os projetos de forma enganadora, focando-se apenas nos ganhos a curto prazo. O verdadeiro valor e o potencial a longo prazo são ignorados, levando os investidores a tomar decisões baseadas em emoções e não em dados concretos.

Como te podes proteger do shilling?

Faz sempre a tua própria pesquisa (DYOR):
Não acredites cegamente em publicações na internet — mesmo que venham de figuras conhecidas. O pensamento crítico e a análise são ferramentas fundamentais para qualquer investidor sério.

Verifica as fontes de informação:
Pergunta-te: a pessoa que promove o projeto declarou claramente uma ligação ou interesse financeiro? A transparência é um sinal importante de credibilidade.

Coloca perguntas críticas:
Não fiques apenas com informações superficiais. Investiga quem está por trás do projeto, que experiência tem a equipa, que problema pretendem resolver e se existe uma necessidade real para o token que oferecem.

Segue plataformas que não promovem projetos com interesse próprio:
Dá preferência a fontes informativas reconhecidas pela sua independência e objetividade — e evita aquelas que publicam promoções pagas sem uma identificação clara.

Ignora o hype e as emoções:
Investir deve ser um processo racional. Emoções como o medo de ficar de fora (FOMO) ou a ganância levam frequentemente a más decisões.

Investir com inteligência começa com precaução

O shilling tornou-se parte integrante do universo cripto — mas isso não significa que o devamos aceitar como algo normal. Num mundo onde a informação se propaga mais rapidamente do que nunca, o conhecimento e o pensamento crítico continuam a ser a melhor proteção de qualquer investidor. Saber identificar esquemas e fraudes é essencial.

Mantém-te sempre atento — se algo parece bom demais para ser verdade, é muito provável que assim seja.